domingo, 27 de dezembro de 2015

Rito eTransformação


“ Ascender ao espírito em sua forma de idéia é entregar-se ao imutável 
na eterna e permanente transformação” Goethe

Nosso vínculo com o mundo em que vivemos manifesta-se das mais diversas maneiras e diferentemente em cada ser, mas a natureza humana é sábia e o ser humano é na verdade trimembrado em corpo, alma e espírito .
O  corpo é  o instrumento com o qual interagimos nesta esfera terrena, enquanto com a alma  elaboramos e criamos um mundo interno, pleno de interações  que trazem desconfortos, afinidades, repulsas, atrações,  sem que nem nos demos conta...O espírito é a ligação entre corpo e alma e traz as sensações que levam a mudanças e a diferentes vivências.

A sociedade moderna – principalmente a Ocidental – costuma reagir negativamente à importância de determinados rituais – que na verdade são  “pequenos ritos de passagem”. É como se demarcássemos nossos territórios internos –de acordo com a passagem do tempo ou de fatos -  afirmando que transcendemos um estado e passamos para outro.
Da mesma forma como muitas vezes médicos e  nutricionistas  recomendam  dietas alimentares  para nos livrarmos de excessos  de peso,  as  práticas  feitas a partir de uma ótica espiritual e universalista  têm como objetivo a libertação de pesos emocionais  desnecessários  e dos  sofrimentos psíquicos decorrentes.

Um pedido de namoro pode parecer ultrapassado nestes tempos de “ficar” mas carrega um forte simbolismo na expressão do querer e do aquiescer com o início de uma relação  que pode vir a tornar-se consistente. Natal, Ano Novo, cerimônias de formatura,  noivado, batizado ou casamento prestam-se ao mesmo importante papel  afirmativo de confiança no futuro de um momento de definição . Nosso subconsciente é muito sensível a estímulos e por isso os rituais são importantes.

                                  
                              Heloisa Reis-  Detalhe Instalação “Do Barro ao Rito” 1993. Espaço Cultural Yasigi. São Paulo.

Antigos rituais nada mais eram que uma forma de atrair as formas celestes para o nível da alma, atravessando o espírito e chegando ao corpo. Hoje, temos a tendência de afastar essa natureza intrínseca para dar lugar ao sedutor sentido da visão mas com o agravante de tender a se fixar apenas nas aparências.

Quando trazemos ao consciente outras dimensões  em datas comemorativas religiosas, cívicas ou pessoais, estamos  abordando  fronteiras  daquele reino das diferentes dimensões da consciência e da inconsciência através da vivência.

A modernidade trouxe o afastamento dos mitos tratando-os como se fossem ilusões da mente criativa do homem  mas felizmente neste início de milênio têm-se recuperado a noção de sua  importância  por sua função, como disse Joseph Campbell, de "levar adiante o espírito humano ".

Ao imortalizar arquétipos, os mitos promovem nossa eterna transformação. E a Arte assim como a Filosofia podem desempenhar esse papel de religar o homem às suas origens e à sua ancestralidade, talvez mais do que qualquer Religião.
Heloisa Reis

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O que percebemos

                                                            por   Heloisa Reis

As imagens que captamos com nossos olhos vêm imediatamente  associadas a significados dos quais muitas das vezes  nem nos damos conta. 
Ao vermos um monte lixo jogado e amontoado pelo vento, depositado ao longo de uma calçada podemos sentir a dimensão da  ameaça crescente de sermos soterrados por nosso próprio descarte. Imperceptível para a consciência, essa sensação se passa em nossa dimensão do sentir, porque o valor daquilo que se observa vai muito além da percepção das formas em primeiro plano.
O fundo de uma imagem, a composição de seus elementos, a localização dos objetos circundantes na verdade dependem totalmente da nossa  posição  espacial  e principalmente de  nossa bagagem de hábitos e cultura.
Que significados  apreendemos dessa mensagem dada pelo acúmulo de lixo numa calçada por onde passamos? A interpretação do que se apresenta em nosso campo visual é muito influenciada por nosso estado de ânimo e nosso envolvimento com o momento presente. Mas, há uma dimensão afetiva não rigidamente determinada  que faz parte de nossa natureza e é  capaz de  criar um campo estendido de nosso pensamento - é pura energia.
Essa energia se propaga independentemente de transmissões convencionais de informação. É a ressonância mórfica que Sheldrake apresenta como “ um processo básico difuso e não intencional  que articula coletividades de qualquer tipo.” De acordo com sua observação, algumas moléculas criadas em laboratório por acaso ou por circunstâncias especiais  seguem um padrão determinado de cristalização e  criam uma ressonância mórfica, isto é, um novo campo que passa a existir no mesmo padrão em qualquer outro laboratório do mundo.
Seria o mesmo princípio da formação das egrégoras? Vinda da palavra grega egrêgorein  que significa  velar, vigiar, a egrégora é  essa entidade  que se cria a partir de um coletivo, de um campo de energia que se cria em torno de um ideal comum através de seus padrões mentais e emocionais. Assim, todos os agrupamentos - quer saibam ou não - possuem  essa capacidade de  realizar no mundo real as aspirações geradas pela coletividade apenas pela forma padrão em que a energia se concentra.
Afinal, todo pensamento é energia  e circula livremente pelo Cosmos, como as ondas eletromagnéticas em rede.

Então... voltando ao lixo, e ao que este representa na ação do homem no mundo.
Será que quanto mais lixo for jogado, mais ainda o será? E o mesmo acontecerá se passarmos a recolhê-lo?
Segundo a visão antiga do mundo, ainda dominante, a resposta estaria restrita à ação física do ser que jogou o lixo e do  vento que o espalhou como responsáveis por levá-lo ao canto da calçada. Mas, na vibração  em faixa de freqüência acima da física, entramos em  campo de energia mais sutil, onde os pensamentos, idéias e ações podem gerar um padrão diferente influenciando o inconsciente coletivo, ajudando talvez o mundo a ficar mais limpo.
Nossa meta é trabalhar para que esse campo sutil se amplie: armazenar nessa freqüência de energia que  mal  p e r c e b e m o s uma reprogramação  que possibilite a recriação da vida e da realidade para que, em reação em cascata, aumente, e se faça sensível também no campo  da Física. É um convite à reflexão do Eu-Superior. 
Mas ainda há muitos mistérios dignos de muita Filosofia, por menos vã e heterodoxa que seja, e a Arte pode revelar que a Realidade pode tornar-se tão exuberante quanto a própria Natureza.
A Microfísica do Poder



O movimento digital globalizado vem esvaziado a autonomia local, porque ordena a sociedade de cima para baixo,  ao contrário de uma organização orgânica e mais próxima da natureza que se desenvolve de baixo para cima.

Ao mundo digital só interessa a  prosperidade e a satisfação individual; a manutenção da multiplicidade cultural não lhes interessa.

Se observarmos o desenvolvimento da sociedade e da História verificamos uma constante mudança, uma mudança sustentada pela ilusão da mudança provocada pelos detentores do poder, que reduzem a mudança à mera adaptação às circunstâncias e às necessidades do tempo.

Qual a transição do homo faber, que vivia do suor de seu rosto, para o homo digital?

Um é real e o outro virtual. O virtual, no entanto se sente liberto da responsabilidade moral, se deixa subjugar de dívidas pressionadas por juros do  cartão de crédito e espionado “microfísica do poder virtual”.

Paradoxalmente é nesta contradição que o homem contemporâneo encontra a possibilidade de manipular sua identidade contemporânea: multiplica-se para se sentir no mundo.

 A transmissão e circulação de dados possibilitam a criação de múltiplas “identidades”, acima da realidade, já não é natureza, e pode contradizer a liberdade e a dignidade individual favorecendo um “super poder”.

A ferramenta digita, com maior poder e de forma muito mais radical, pode determinar o futuro sem permitir que os indivíduos  pensem sobre o sistema todo, sem que pense sobre suas virtudes e defeitos. Consequentemente, sem debate, e com muita quinquilharia,  deixa prevalecer   interesses:  poder e dinheiro. Ficando de fora os verdadeiros problemas da natureza (ecologia) e da humanidade

O homem contemporâneo, por não se criar a si mesmo, contrai dívidas para viver um presente de “alegria”. Porem,  esquece que todo sistema de poder, gosta de confiança cega, como a religião, onde  a luz vem das palavras e das moedas cunhadas com a cara de César.


Toda linguagem tem sua gramática, e a gramática do poder é impor sua narrativa em diferentes contextos. O mundo digital vem favorecendo a criação e manutenção de um universo de déspotas, que não aceitam correções e não se importam com a  sociedade e as pessoas. 

Marília Gruenwaldt